Teria Jônatas já descoberto que Davi havia sido ungido rei por Samuel? Se fosse como seu pai, Jônatas teria procurado eliminar este concorrente ao trono, do qual se julgaria herdeiro (v. 8,30,31). Mas o caráter de Jônatas era reto e ele reconhecia a lealdade e fidelidade de Davi ao rei Saul, apesar da sua maldade. Jônatas mais tarde revelou que tanto ele como Saul sabiam que Davi ia ser rei, e Jônatas almejava tomar o segundo lugar no seu reino (cap. 20:17).
No início de cada lua nova os israelitas costumavam se reunir para festejá-la (Números 28:11-15). Era uma maneira de dedicar o próximo ciclo lunar ao SENHOR. As outras nações celebravam a lua cheia e adoravam a própria lua. Os israelitas tinham a sua festa quando a lua estava invisível, talvez uma precaução contra essa idolatria, pois nada da criação deve ser adorada, somente o próprio Criador.
Conforme combinado com Jônatas, Davi não apareceu para tomar o seu lugar costumeiro à mesa com Saul, Jônatas e Abner (o comandante geral do exército), nos dias da lua nova. No primeiro dia, Saul não disse nada, assumindo que Davi estivesse impedido de vir por estar ritualmente impuro por alguma razão qualquer. Mas no segundo dia, Saul quis saber de Jônatas por que o "filho de Jessé" não havia comparecido. É curioso que não usou o nome próprio de Davi, mas o seu sobrenome (filho de Jessé): quem sabe seria uma expressão de desprezo por causa da sua origem humilde?
Jônatas disse que havia dado licença a Davi para que fosse ver os seus irmãos e participar de um sacrifício com a sua família na cidade. Saul então deixou extravasar a sua ira contra o próprio Jônatas, por ser amigo de Davi e, quando Jônatas defendeu Davi perguntando o que ele havia feito para merecer morrer, Saul procurou matar o próprio Jônatas.
Jônatas se levantou da mesa encolerizado e muito sentido contra o seu pai, ficou sem comer e no dia seguinte sinalizou a Davi, conforme combinado, que ele deveria ir embora porque o SENHOR o mandava ir: a atitude que Saul havia tomado à mesa, no dia anterior, indicava que Davi estaria em perigo se ficasse, e não haveria paz.
Quando ficaram a sós, Davi e Jônatas se despediram com muitas lágrimas, pois eram grandes amigos. Eles se encontraram ainda uma vez, talvez a última, no deserto de Zife quando Davi estava no exílio (1 Samuel 23:16-18).
Davi no exílio: Sua fuga
1 SAMUEL 21 e 22
Davi estava em perigo de morte por causa do ódio do rei Saul. Deixando a escola de profetas de Samuel, e levando consigo alguns soldados que lhe eram fiéis, ele se dirigiu primeiro ao sacerdote Aimeleque, que habitava com outros sacerdotes em Nobe, uma pequena cidade ao norte de Jerusalém.
Deixando os seus homens, Davi foi pedir três coisas a Aimeleque, que havia saído ao seu encontro: que consultasse ao SENHOR, que desse pão para si e seus homens, e uma arma. Aimeleque estava com medo de ajudá-lo, porque decerto todos já sabiam que Saul se tornara inimigo de Davi. Por isso Davi o enganou, dizendo que estava ali a serviço de Saul.
Nada é dito sobre o que seria a consulta ao SENHOR (22:10,15), nem a resposta.
O único pão disponível eram os pães da proposição: eram doze pães, cada um contendo aproximadamente 4 quilos de farinha, que ficavam perante o SENHOR no tabernáculo, e eram trocados todo o sábado. Os que eram tirados deviam ser comidos pelo sumo sacerdote e seus filhos (Levítico 24:5-9). Era chamado "pão sagrado" por causa disso.
Aimeleque e Davi consideraram que era mais importante dar alimento àqueles homens famintos do que obedecer à letra da lei. O sacerdote apenas exigiu a confirmação de Davi que os seus homens estavam cerimonialmente limpos. Ele compreendia bem o espírito da lei.
O Senhor Jesus lembrou aos fariseus desse fato, mil anos depois, e lhes disse "misericórdia quero, e não holocaustos" (Mateus 12:3-4). As necessidades humanas têm prioridade sobre rituais e cerimônias religiosas.
Um edomita, chamado Doeg (Medroso), detido no santuário por causa de um voto ou pela necessidade de purificação, chefe dos pastores de Saul, presenciou tudo. Depois foi contar tudo para Saul. Davi escreveu o Salmo 52 para registrar a sua maldade.
Estando desarmado, Davi novamente inventou alguma coisa para fazer com que o sacerdote Aimeleque lhe desse uma arma - e a arma que ele lhe deu foi a espada que tinha pertencido ao gigante Golias. Como troféu da batalha, ela realmente pertencia a Davi.
Davi em seguida fugiu para longe de Saul, procurando refúgio com o seu inimigo Aquis, rei da cidade de Gate, habitada pelos filisteus (e ainda levando com ele a espada de Golias, que provinha dali). Mas os servos de Aquis fizeram o rei recordar que as mulheres israelitas haviam composto canções para celebrar as proezas militares de Davi.
Eles aqui chamam Davi de "rei da sua terra": eles não teriam conhecimento da unção secreta de Davi como rei de Israel por Samuel, mas estavam se referindo à sua posição de comando no exército israelita.
Com medo do que Aquis lhe poderia fazer, Davi fingiu-se de louco diante dos filisteus. Aparentemente convencido da sua loucura, Aquis repreendeu os seus servos por terem-no trazido à sua presença, e o deixou livre, porque era costume não fazer mal aos deficientes mentais. Davi escreveu o Salmo 34 para celebrar este episódio em sua vida.
Agora se inicia uma fase na vida de Davi em que ele tem que se esconder pelas cavernas do seu mundo, aprendendo a ter paciência, e confiar na mão poderosa do SENHOR, e a socorrer os aflitos e necessitados com o pouco que ele próprio tem. Ele é perseguido e caçado como se fosse um animal selvagem, e é obrigado a fugir e a se esconder para não ser morto por um rei furioso e os seus asseclas.
Davi se compara, durante esse tempo, com:
* uma pulga (1 Samuel 26:20);
* uma perdiz (1 Samuel 26:20);
* um pelicano no deserto (Salmo 102:6);
* uma coruja das ruínas (Salmo 102:6);
* uma alma entre leões famintos (Salmo 57:4);
* àquele para cujos passos armaram rede (Salmo 57:6);
* àquele diante de quem abriram cova (Salmo 57:6).
Saindo de Gate, Davi percorreu dezesseis quilômetros para o sudeste, chegando a uma caverna. Ela estava próxima a uma cidade estratégica, Adulão, antiga cidade real dos cananeus, situada na borda ocidental duma região montanhosa, próxima à fronteira filistéia.
Existem ali várias cavernas ainda hoje, e algumas podem conter até trezentos homens. A caverna onde Davi se refugiou estava apenas a uns vinte quilômetros de Belém, sua cidade natal.
Os pais e os irmãos de Davi, ao saber onde ele se encontrava, e temendo represálias do rei Saul por causa do seu parentesco com ele, mudaram para lá também.
Outros também foram se refugiar com ele: eram os que se achavam em aperto, os endividados e os amargurados de espírito. Como Davi, eles se achavam rejeitados pela sociedade em que viviam e procuravam um novo começo ao lado dele.
Existe um paralelo maravilhoso entre este período na história de Davi, que durou uns dez anos, e a história atual relativa ao seu grande descendente, o Senhor Jesus Cristo. Estamos vivendo nos dias da Sua rejeição pelo mundo. Como Saul, o Seu inimigo o diabo anda em derredor, como leão que ruge, procurando alguém para devorar (1 Pedro 5:8). Nestes dias o Senhor Jesus Cristo está chamando ao Seu nome um povo para fora do mundo. São os que estão em aperto, endividados, descontentes:
1. Muitos haviam sido leais a Saul, mas foram obrigados a deixá-lo, porque corriam perigo de vida, e se refugiaram com Davi. O Senhor Jesus está pronto a aliviar os que estiverem cansados e oprimidos. Muitos hoje estão procurando fugir aos problemas da vida: alguns recorrem às drogas, ao álcool e até mesmo ao suicídio. Mas o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido (Lucas 19:10). Ele quer e pode nos ajudar pois naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados (Hebreus 2:18).
2. Os endividados foram se esconder com Davi. Endividamento destrói a vida de uma pessoa. Naqueles dias podia levar à penúria e até à escravidão. Igualmente, o pecado nos faz devedores a Deus e nos escraviza. Só Deus pode nos perdoar, porque Cristo pagou a nossa dívida ao morrer na cruz. Ele pode nos libertar se recorrermos a Ele.
3. Os descontentes também vieram a Davi. Eles estavam amargurados pelas circunstâncias e experiências da vida. Hoje em dia, também, existe uma onda de descontentamento cobrindo o mundo. Mas o Senhor Jesus, rejeitado pelo mundo, convida: vinde a Mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, que Eu vos aliviarei (Mateus 11:28).
Saindo da caverna, Davi levou seus pais para Moabe, do outro lado do mar Morto, de modo que eles pudessem estar fora do alcance de Saul. Seu pai Jessé era neto de Rute, moabita, e isso seria um motivo para que fosse tratado bem pelo rei dos moabitas. Depois, seguindo o conselho do profeta Gade, Davi voltou para o bosque de Herete, próximo de Adulã, no território da sua tribo, Judá.
O rei Saul, paranóico, convocou seus homens, da sua tribo de Benjamim, e reclamou que eles estavam protegendo Davi e não o tinham prevenido que seu filho, Jônatas, havia instigado Davi contra ele: era tudo produto da sua imaginação doentia.
O edomita Doegue delatou o encontro havido entre o sacerdote Aimeleque e Davi. Saul convocou o sacerdote à sua presença com todos os outros sacerdotes, condenou-os à morte, e Doegue foi o carrasco, matando também suas famílias.
Mas escapou um, cujo nome era Abiatar: ele se refugiou com Davi, que se julgou culpado pelas mortes, por ter procurado e enganado Aimeleque. Assim Davi preservou a ordem sacerdotal de Arão.
1 SAMUEL 23 e 24
Davi e os seus homens estavam abrigados na região de Adulão, onde havia cavernas para se esconderem do rei Saul e seus asseclas, quando receberam notícia que os filisteus haviam atacado as eiras dos habitantes de Queila. Esta era uma cidade de Judá, distante uns cinco quilômetros ao sul de onde eles estavam, na fronteira do território dos filisteus.
As eiras eram áreas circulares abertas no campo, onde se separava o grão do trigo. Ao atacar as eiras, os filisteus roubavam os israelitas das suas provisões de cereais.
Antes de tomar qualquer providência, Davi consultou ao SENHOR para saber se deveria ir ferir os filisteus. Ao invés de procurarmos saber a vontade de Deus depois de entrar numa situação difícil, ou de pedir o seu socorro para evitar as conseqüências de decisões apressadas, deveríamos tomar algum tempo para descobrir qual é realmente a Sua vontade. Podemos descobrí-la através do conselho de outros, da Sua Palavra, da direção do Espírito Santo em nossas mentes, bem como das circunstâncias.
Com ele estava o sacerdote Abiatar (22:20-23) que trazia a estola sacerdotal (v.6). Nela estavam o Urim e Tumim, possivelmente duas pedras preciosas que eram colocadas dentro do peitoral. Podem ter sido usadas para determinar a vontade de Deus mediante sorteio (Êxodo 28:30, Levítico 8:8, Números 27:21; Deuteronômio 33:8; 1 Samuel 28:6; Esdras 2:63; Neemias 7:65)).
Recebendo a aprovação do SENHOR, Davi foi com seus homens a Queila, desbaratou os filisteus e salvou os moradores de Queila.
Queila era uma cidade fortificada, cercada por um muro. O muro protegia os habitantes dos assaltantes, mas também os prendia se estivessem cercados por inimigos. O rei Saul achou providencial que Davi e seus homens estivessem ali, e chamou todo o povo para irem cercar a cidade.
Ele queria tanto matar Davi, que estava disposto a aceitar qualquer coisa como sinal que Deus aprovava o seu ato. Nenhuma oportunidade que nos apareça para fazer alguma coisa errada deve ser interpretada como sinal da aprovação divina. Quando nos vêm as oportunidades, examinemos bem os nossos motivos e nos certifiquemos que estamos fazendo a vontade de Deus e não só a nossa.
Davi sabia que estava vulnerável e que Saul planejava o mal contra ele, portanto novamente consultou o SENHOR. Vemos como formulou as perguntas através de Abiatar, com a estola sacerdotal:
1. Orou primeiro ao SENHOR, explicando a situação.
2. Perguntou se Saul realmente desceria para prendê-lo.
3. Perguntou se os homens de Queila o entregariam a Saul.
Notemos que as respostas eram próprias para um sorteio, "sim" ou "não". As respostas que recebeu às duas perguntas foram positivas. Não se tratava, é claro, de uma profecia, mas de um esclarecimento sobre o que Saul e os homens de Queila estariam dispostos a fazer.
Davi e seus homens saíram portanto de Queila e se foram sem rumo certo, o que evitou que pudessem ser perseguidos. O deserto de Judá é uma região árida e inóspita entre a região montanhosa e o mar Morto. Existem ali muitas cavernas e desfiladeiros onde eles podiam se refugiar de Saul. O deserto de Zife é um planalto árido que ficava 6,5 quilômetros a sudeste de Hebrom. Saul não conseguiu achá-los.
No entanto, seu amigo Jônatas foi até onde ele se achava e encontrou-o. Jônatas fortaleceu a confiança de Davi em Deus, declarando que Saul não iria encontrá-lo para fazer-lhe mal, que era do conhecimento dele e do seu pai que Davi ia ser rei, e se dispôs a ser o segundo no seu reino.
Eles ali renovaram a sua aliança perante o SENHOR e partiram, indo Davi para o deserto e Jônatas para a sua casa. A atitude de Jônatas nesta ocasião nos lembra João Batista, que disse, a respeito do Senhor Jesus: "convém que Ele cresça e que eu diminua" (João 3:30). Talvez foi a última vez que se encontraram. Eles eram verdadeiros amigos, encorajando um ao outro e fortalecendo a sua fé em Deus mutuamente.
Mesmo no deserto de Zife havia gente disposta a trair Davi. Ele teve que sair de lá mas, eventualmente, o rei Saul conseguiu cercar Davi e os seus homens quando se refugiavam sobre uma rocha. Decerto teriam sido apanhados, se não houvesse chegado uma notícia a Saul que os filisteus estavam invadindo a terra. Saul teve que abandonar a perseguição e correr para enfrentar os invasores. Vemos aqui que Deus interveio na hora certa, fazendo uso dos filisteus quando a situação parecia desesperadora para Davi.
Davi foi, com seus companheiros, até um oásis a leste de Hebrom, acima das margens do mar Morto, chamado En-Gedi (fonte do cabrito). Era um bom lugar para se refugiar, porque existem muitas cavernas por ali, e podem ser vistas ainda hoje. Algumas eram usadas como residência e túmulo, mas as maiores podem abrigar milhares de pessoas.
O rei Saul perseguiu os filisteus, depois voltou e soube onde Davi estava. Reuniu então um exército formidável de três mil homens, escolhidos entre todo o Israel e foi ao encalço de Davi e dos seus seiscentos homens (mais ou menos).
Chegando ali, Saul entrou numa dessas cavernas para aliviar-se, sem saber que Davi se encontrava assentado no fundo com seus homens. Estes logo perceberam a oportunidade que se oferecia e concluíram que o SENHOR havia entregue o rei Saul a Davi.
Davi foi furtivamente até onde Saul estava, mas apenas cortou a orla do manto de Saul (que ele provavelmente havia tirado e colocado à parte), e voltou para onde estavam os seus homens.
A consciência de Davi ficou perturbada, pois tocar as vestes de Saul eqüivalia a tocar a pessoa do rei, e Davi sabia ser errado erguer a mão contra o rei ungido pelo SENHOR. Ele declarou isso aos seus homens, e com isso conteve aos seus homens, não permitindo que fizessem mal a Saul.
Embora Saul estive sendo rebelde a Deus, Davi ainda respeitava a posição que ele ocupava como o rei ungido por Deus. Sabia que um dia ia tomar o seu lugar, mas também que não lhe competia eliminá-lo ele próprio.
Deixando Saul se retirar da caverna e prosseguir no seu caminho, Davi também saiu e gritou para Saul: "ó rei, meu senhor". É Deus quem dá poder e autoridade aos reis e governadores deste mundo (Romanos 13:1-7). Embora sem saber a razão, devemos respeitá-los, como Davi, e obedecê-los a não ser em algo que nos torne desobedientes a Deus, a autoridade suprema.
Em atitude de completa submissão, Davi declarou ao rei como teve a sua vida em suas mãos dentro da caverna, mas que o havia poupado porque era o ungido de Deus. Mostrou-lhe a orla que havia cortado da sua capa, como prova de que não o queria mal nem era rebelde. Declarou que deixava a justiça nas mãos do SENHOR, mas que nunca levantaria a mão contra Saul. Manifestou surpresa por ser perseguido por Saul, sendo que era absolutamente inofensivo ao rei.
Parece que, ao ver e ouvir isso, Saul sinceramente se arrependeu, chegando a chorar de emoção. Ele reconheceu que Davi lhe havia pago o mal com o bem, o abençoou por isso e afirmou que estava convencido que Davi seria rei, definitivamente. Pediu que Davi jurasse não eliminar a sua descendência (como é costumeiro ao entrar uma nova dinastia), nem os deserdasse. Isto Davi jurou, e Saul voltou para sua casa. Infelizmente seu remorso foi por pouco tempo.
Davi já não confiava mais em Saul, por isso subiu com seus homens ao lugar seguro.
NABAL E ABIGAIL - SAUL É POUPADO OUTRA VEZ
I SAMUEL 25:1 a 27:7
Davi e os seus homens desceram para o deserto de Parã. Fica ao nordeste da península do Sinai, ao sudoeste da terra de Canaã.
Nabal (insensato), fazendeiro abastado, morava em Maom e tinha terras em Carmelo: esta era uma localidade um quilômetro e meio ao norte de Maom, não o monte Carmelo que fica bem mais para o norte. Ele era um homem de mau caráter, duro e maligno em todo o seu trato, alcoólatra.
Sua esposa Abigail, por sua vez, era sensata e formosa, e temente a Deus.
Duas personalidades opostas. Davi e seus homens tinham sido bons para os pastores de Nabal, quando apascentavam os rebanhos no campo entre eles, dando-lhes proteção de dia e de noite. Sabendo que Nabal havia vindo até Carmelo para a tosquia, Davi mandou dez dos seus homens até lá para pedir-lhe mantimento. Davi e seus homens haviam protegido os rebanhos e a propriedade de Nabal em troca de provisões, e o dia do pagamento havia chegado. Mas Nabal insultou Davi e os seus companheiros, fingindo não conhecê-los, e recusou dar-lhes qualquer coisa.
Quando os mensageiros voltaram e contaram isto a Davi, ele ficou indignado. Imediatamente tomou consigo quatrocentos homens armados e se dirigiu para o Carmelo, resolvido a matar Nabal e todos os seus homens.
Um dos moços de Nabal, sabedor do que estava acontecendo, correu para contar tudo para Abigail, a fim de que ela tomasse as necessárias providências, uma vez que ninguém podia falar com seu marido.
Abigail imediatamente preparou provisões generosas e foi encontrar Davi e os seus homens quando passavam perto de onde ela morava, a caminho de Carmelo. Com muita humildade ela se prostrou com o rosto em terra diante de Davi, lançou-se aos seus pés e pediu que não se importasse com Nabal, que era louco, nem se vingasse com as suas próprias mãos pelo insulto que havia sofrido dele.
Ela assumia toda a responsabilidade, e lhe trouxe o presente para ser distribuído aos moços de Davi. Pediu perdão pela transgressão dela (tomando para si a culpa do marido), para que ele não carregasse um peso em sua consciência quando chegasse ao trono de Israel, por ter se vingado com suas próprias mãos.
No versículo 29 a figura de linguagem é extraída do costume de se amarrarem objetos valiosos num feixe para protegê-los de algum dano. Deus cuida dos Seus como um homem dos seus tesouros. Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nos foi dado beber de um só Espírito (1 Coríntios 12:13). Todos os que cremos fazemos parte de um só corpo - o de Cristo - pela fé. Estamos em Cristo e não há condenação para os que estão em Cristo. Fazemos parte deste "feixe" com o Senhor Cristo.
Diante daquelas amplas provisões, e da humildade e sábias ponderações de Abigail, Davi caiu em si e reconheceu que o SENHOR é que a havia enviado ao seu encontro, impedindo que ele derramasse sangue. Ele recebeu o que ela havia trazido e atendeu à sua petição, mandando-a de volta para casa em paz. Como Davi, devemos estar sempre prontos a ouvir conselhos sábios e ter o controle próprio para corrigir ainda em tempo os impulsos que nos levam a praticar o mal.
Enquanto isso, Nabal havia voltado para casa onde ele fez um banquete, como banquete de rei: o que contrasta fortemente com sua recusa de víveres para Davi e seus homens, que haviam contribuído para a preservação dos seus bens. E embriagou-se.
Quando na manhã seguinte Nabal soube o que Abigail havia feito, ele aparentemente ficou paralisado por causa de um ataque cardíaco ou um derrame, morrendo dez dias depois, ferido pelo SENHOR.
Davi louvou ao SENHOR por ter impedido que ele tomasse a vingança em suas próprias mãos e por ter executado Nabal pela ofensa que lhe fora feita. Recebeu ainda um grande presente: informou Abigail que desejava tomá-la como mulher e ela consentiu. Sem dúvida ele não só apreciou a sua formosura, mas também o seu caráter e fé no SENHOR.
Infelizmente, Davi foi além e tomou outra mulher para si, chamada Ainoã. A poligamia é oposta ao ideal divino para o casamento (Gênesis 2:24), mas não era proibida na lei de Moisés, sendo a bigamia até admitida (Deut. 21:15-17). Freqüentemente resultava em muita dor e sofrimento, tendo Davi experiência disso mais tarde. 0 seu primeiro casamento, com Mical, a filha de Saul, havia sido desfeito pois o rei a deu como esposa para outro homem.
Novamente os zifeus foram até Saul para informá-lo onde Davi se encontrava. Esquecendo seu juramento anterior, Saul reuniu três mil homens escolhidos de Israel e foi buscá-lo.
Davi ficou no deserto. Ele era um bom guerreiro, conhecia bem o território, e contava com soldados leais dispostos a morrer com ele ou por ele. Saul não conhecia o território, e não tinha motivos para confiar na lealdade dos seus soldados. Davi mandou espias para verificar se de fato Saul tinha vindo atrás dele - parecia incrível! Davi era tão senhor da situação que pôde ir pessoalmente ao lugar onde Saul havia se acampado e ver onde Saul e o comandante do seu exército estavam deitados.
Davi voltou outra vez, de noite, com seu sobrinho Abisai, e foi até onde eles estavam dormindo. Abisai disse que Deus havia entregue Saul nas mãos de Davi, e que ele, Abisai, poderia matá-lo ali mesmo em um instante com um só golpe de lança.
Era outra prova para Davi: podia agora eliminar aquele que desejava a sua morte. Mas Davi decidiu deixá-lo vivo para que ele morresse, ou por ação direta do SENHOR, ou por morte natural, ou em batalha. Ele conhecia Aquele que disse: "A mim pertence a vingança, a retribuição, a seu tempo…" (Deuteronômio 32:35).
Antes ele estava disposto a matar Nabal e todos os seus homens. Agora recusava eliminar seu inimigo mais ferrenho. A diferença era que este havia sido colocado em sua posição de autoridade por Deus, e Davi se submetia a ele mesmo com risco da própria vida.
Abisai acatou a decisão de Davi e voltou com ele para o seu esconderijo, levando apenas a lança e a bilha d'água da cabeceira de Saul. Ninguém percebeu que tinham estado ali porque um profundo sono veio sobre todos eles da parte do SENHOR.
Desta vez Davi se pôs no cume do monte com uma boa distância entre ele e o exército de Saul, e de lá bradou de forma que todos ouvissem, chamando Abner, o comandante do exército de Saul Despertando do sono, Abner não entendeu a princípio o que estava acontecendo. Davi, sem se identificar, repreendeu-o por não ter mantido vigilância, permitindo que alguém chegasse até Saul: era uma falta grave, digna da pena de morte. E lhe mostrou a lança e a bilha d'água que havia levado. Abner ficou desmoralizado.
Saul percebeu que a voz era de Davi e falou com ele. Davi indagou por que Saul o estava perseguindo: se fosse a vontade de Deus, Davi ofereceria um sacrifício expiatório a Ele; se fossem outros homens, eles seriam malditos porque o estavam afastando da sua terra como que obrigando-o a servir a outros deuses.
Saul reconheceu o seu pecado e loucura e pediu que Davi voltasse. Mas Davi apenas disse que queria que a sua vida fosse tão preciosa diante do SENHOR quanto a vida de Saul tinha sido para ele.
Saul o abençoou e cada um seguiu o seu caminho. Não se encontraram mais.
Davi com os Filisteus
1 SAMUEL 27:8 a 28:2 e 29:2 a 30:31
Tendo recebido a cidade de Ziclague, como presente de Aquis, rei dos filisteus, para morar, o guerreiro Davi não ficou parado. Ele saia com seus homens para combater outros inimigos do seu povo que se encontravam ao sul do território de Israel até a terra pertencente ao Egito: os gesuritas, os gersitas e os amalequitas. Eram tribos do deserto conhecidas pelos seus ataques de surpresa, e pela crueldade que usavam para com os moradores das cidades tanto dos filisteus como dos israelitas.
Os gesuritas eram cananeus cuja terra Deus havia dado aos israelitas e que já deviam ter sido eliminados junto com todos os outros cananeus (Josué 13:2,3). Os amalequitas haviam procurado impedir os israelitas de passar pelo seu território no caminho à terra de Canaã (Deuteronômio 25:18), e os atacaram em Refidim (Êxodo 17:8-13) e em Horma aliados aos cananeus (Números 14:45). Também se juntaram com os moabitas (Juízes 3:13) e os midianitas (Juízes 6:3) contra Israel. Saul finalmente os expulsou do seu território e destruiu o seu poder (1 Samuel 14:48; 1 Samuel 15:3). Nada se sabe sobre os gersitas, provavelmente também cananeus.
Davi eliminava todos: homens, mulheres e crianças, como o SENHOR havia ordenado que os israelitas fizessem aos moradores da terra de Canaã. Ele também tinha outro motivo: para manter o bom relacionamento com Aquis, ele lhe dizia que os ataques haviam sido feitos em outros lugares para que Aquis pensasse que Davi estava se vingando sobre Israel. Ele não queria sobreviventes que pudessem desmentí-lo. A mentira era uma estratégia militar contra um inimigo de Israel, de quem ele estava se aproveitando para proteger-se de Saul.
Sua estratégia deu certo, tanto que Aquis confiava em Davi, julgando que Davi se havia feito odiado em Israel e agora serviria a Aquis para sempre.
Não podemos deixar de entrever a perfídia de Davi que dessa forma abusava da confiança de Aquis. Davi escreveu mais tarde: "Afasta de mim o caminho da falsidade e favorece-me com a tua lei." (Salmo 119:29). Estaria ele pensando neste episódio?
Contando com a lealdade de Davi, Aquis o convocou e aos seus homens para a guerra contra Israel. Não tendo como se esquivar, Davi disse a Aquis que sabia que estava sendo posto à prova, ao que Aquis respondeu que o faria sua guarda pessoal para sempre. A lealdade de Davi, porém, não era para com Aquis nem Saul, mas para com o SENHOR. Por isso o SENHOR lhe deu uma saída depois.
Os príncipes dos filisteus se lembravam dos tempos em que Davi tinha sido seu inimigo, tornando-se um herói entre os israelitas por causa das suas vitórias. Ele duvidaram da sua lealdade agora, e exigiram que Aquis o mandasse de volta para a sua cidade, Ziclague, e não participasse do combate.
Depois de discutir um pouco com eles, Aquis chamou Davi e disse que estava convicto que ele era um homem reto, e queria que ele participasse na campanha porque não havia achado nenhum mal nele durante todo o tempo em que havia passado ao seu lado. Mas que Davi não agradava aos príncipes e por isso devia voltar para casa.
Davi demonstrou desapontamento, então Aquis ainda o elogiou dizendo que aos seus olhos Davi era "bom como um anjo de Deus". Mas Aquis insistiu e Davi voltou para casa, livre do sério problema de como combater junto com seus inimigos contra seu próprio povo.
Isso nos faz refletir que muitas vezes Deus intervém também em nossas vidas, salvando-nos de situações em que nos encontramos por nossa própria culpa. Cometemos às vezes erros de julgamento, mas Deus impede que resultem em pecados mais sérios.
Davi voltou para enfrentar uma tragédia: os amalequitas haviam aproveitado a ausência dos homens, que haviam ido para a guerra, para atacar as cidades do sul, estando entre elas a sua cidade de Ziclague, que haviam assaltado, queimado e levado embora tudo o que continham, inclusive as mulheres e as crianças. Entre elas estavam as duas esposas de Davi.
Houve muito lamento, e alguns quiseram até apedrejar seu líder Davi. Ao invés de enfrentar a situação e estudarem como proceder, eles queriam um bode expiatório. Mas Davi se reanimou no SENHOR seu Deus, e começou a procurar a solução. Quando nos envolvemos num desastre ou encontramos problemas pela frente, é inútil procurar alguém para culpar ou criticar. É preferível ver como podemos ajudar a encontrar uma solução.
Davi foi consultar o SENHOR através do sacerdote Abiatar e da sua estola sacerdotal. Algumas vezes em nossa vida vamos nos encontrar em situações quando não temos alegria ou contentamento. Como Davi, estamos num beco sem saída e o desespero nos cerca. Que fazer? Desistir de tudo? Se formos filhos de Deus iremos procurá-lo imediatamente. Às vezes o Senhor nos coloca nessa situação exatamente para que nos voltemos para Ele e percebamos a realidade do Seu amparo. Nessas ocasiões Davi escreveu alguns dos seus salmos mais úteis para nós, como o Salmo 107.
O SENHOR mandou que Davi perseguisse os amalequitas, porque, de fato, os alcançaria e tudo libertaria. Davi talvez desconhecia que as suas mulheres haviam sido poupadas, e essa palavra do SENHOR lhe trouxe novo alento.
Davi e os seus seiscentos homens, novamente animados, saíram então em perseguição dos amalequitas, mas duzentos deles ficaram tão fisicamente esgotados que foram deixados para trás a meio do caminho, no ribeiro de Besor. Eles tomaram conta da bagagem enquanto os outros continuaram.
Continuando na perseguição, Davi e seus homens encontraram um egípcio no caminho. Havia três dias que tinha sido abandonado no deserto por um dos amalequitas, a quem servia, porque estava doente. Deram-lhe alimento e água, revivendo-o, e ele se prontificou a levá-los até onde se encontravam os amalequitas, desde que não o entregassem de volta ao seu senhor.
Os amalequitas haviam agido com crueldade para com esse homem, mas Deus o usou para ajudar Davi. Devemos tratar os desconhecidos com dignidade e respeito, não importando a sua aparente insignificância. Nunca sabemos se Deus os usará para ajudar-nos também.
Com a ajuda do egípcio, Davi pôde fazer um ataque de surpresa aos amalequitas, que estavam despreocupados, festejando o sucesso do saque e o despojo que haviam conseguido. Desde o crepúsculo vespertino até à tarde do dia seguinte Davi e seus homens feriram os amalequitas. Apenas quatrocentos conseguiram escapar em seus camelos - por coincidência, o mesmo número de homens que estavam com Davi.
A vitória permitiu que Davi e seus homens recuperassem tudo o que lhes havia sido roubado, bem como tomar como despojo todas as ovelhas e gado dos amalequitas.
Surgiu então uma altercação entre os homens sobre se aqueles que haviam ficado com a bagagem teriam direito a participar do despojo. Davi demonstrou a sua justiça, que mais tarde praticaria como rei: os que ficaram na retaguarda cuidando da bagagem tinham tanto direito ao despojo quanto os que haviam participado da batalha.
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